O Debate
O debate entre Filipe Soares Franco e António Dias da Cunha esclareceu certamente pouco os (infelizmente poucos) associados do Sporting que ainda se preocupam com o futuro do clube. Tendo sido perdido demasiado tempo em pormenores que aos sócios pouco dizem, consigo ainda destacar três pontos que merecem a atenção de qualquer associado em período de reflexão perante os momentos que se avizinham. Refiro-os, apelando à vossa reflexão.
1) o momento mais importante do debate de ontem foi, para qualquer sócio do Sporting Clube de Portugal, sobretudo para aqueles que ainda carecem de demonstração do facto, aquele em Dias da Cunha leu a até agora desconhecida carta que Filipe Soares Franco lhe dirigiu quando assumiu pela primeira vez o seu ponto de vista sobre o futuro do Sporting Clube de Portugal. Nessa carta Soares Franco confirma o que não só tem demonstrado no decurso da sua presidência (com inegável coerência mas alguma dissimulação) como também o que havia já dado a entender em entrevista que concedeu numa fase de afastamento da vida do clube: o seu divórcio para com os valores fundamentais do clube, nomeadamente o ecletismo e o associativismo, e a sua visão totalmente orientada para o futebol, não como via principal de afirmação do clube, ponto no qual a maioria dos sócios concorda, mas sobretudo como via única, marcada por um contexto empresarial na qual existe espaço apenas para o adepto passivo e consumidor.
2) Ficou por esclarecer, como era previsível, o repentino “buraco” que fundamentou a ascensão ao poder do conselho directivo em funções e a sequência de negócios e alterações que o clube realizou nos últimos anos e que agora nos convidam a apressadamente concluir. Mais do que discutir as cartas do Dr. Rui Meireles ou as interpretações de contratos, penso que faltou, talvez obviamente por iniciativa do Dr. Dias da Cunha, questionar o Dr. Soares Franco e todos aqueles que o acusam de ter promovido um “buraco financeiro” até hoje pouco esclarecido (houvesse auditoria) como foi possível o Dr. Dias da Cunha cavar esse mesmo buraco com a aparente passividade e até silêncio de diversos e inúmeros dirigentes, que integraram os órgãos sociais do clube e do seu universo empresarial, que o acompanharam nos anos em que presidiu ao clube e que agora subscrevem os ataques que lhe são dirigidos, mais especificamente a teoria do “buraco súbito”. Esta é certamente uma questão que o comum sócio do Sporting gostaria de ter visto respondida pois, ao incauto associado parecerá, por vezes, estarmos na presença de um conjunto novo de pessoas, sem passado no clube e portanto sem qualquer responsabilidade no tal “buraco” que serviu de racional à ascensão e consequente rumo traçado para o clube.
3) O debate terminou ainda com um momento simbolicamente esclarecedor para quem segue ainda com atenção as afirmações de Filipe Soares Franco. Puxando de uma folha A4 do “powerpoint” que documenta os valores de investimento dos 3 grandes, o actual presidente do Sporting CP tentou jogar a cartada populista “futebol” agitando o tantas vezes passado por verdadeiro nexo de causalidade “investimento = competitividade”. Ora se para o sócio esclarecido este nexo já será per si questionável, sabendo nós que a chave do sucesso reside sobretudo na qualidade do trabalho desenvolvido e não na quantidade de dinheiro que se atira sobre os problemas, tema aliás no qual a história recente do Sporting já nos deixou inesquecíveis amargos de boca, menos evidente será ainda o referido nexo, quando nos é referido o exemplo do Sport Lisboa e Benfica, que encerrou mais uma época de considerável investimento, possivelmente acima das suas possibilidades, sem não só atingir quaisquer resultados desportivos dignos de registo como, e sobretudo, não deixando nos seus sócios e adeptos âncoras de afectividade e esperança relativamente ao trabalho, rumo e opções estratégicas para o futuro.
Concluídos os três pontos que me merecem destaque no debate de ontem volto a convidar o sócio que leia estas considerações breves a centrar a sua atenção no ponto 1, pois é este que deve ser lido e tido em conta no momento de nos apresentarmos no dia 17 de Abril na próxima Assembleia Geral do clube dispostos a defender a história, valores e pergaminhos de um Sporting Clube de Portugal ecléctico, dos sócios e para os sócios, dando natural relevo ao futebol profissional mas não descurando tudo aquilo que faz do Clube uma realidade incomparável no desporto e na cultura nacional e internacional. Esse ponto, e a conclusão que ontem pudemos retirar das consequências nocivas de um clube que viveu um regime oligárquico de sucessão quase dinástica no último decénio devem impelir-nos definitivamente para o chumbo das propostas do conselho directivo cessante, rumo a um momento eleitoral em que finalmente os sócios (que restam) do Sporting Clube de Portugal possam decidir e optar entre os dois rumos que cada vez mais ameaçam confrontar-se: um clube dos e para os seus sócios e adeptos ou uma sociedade comercial dos e para os seus accionistas.
Pedro da Cunha Ferreira
sócio 9.576