A NORMA TRANSITÓRIA DA DIRECÇÃO EM TRÂNSITO

14 de Abril de 2009 – 12:13

Deliberar: verbo transitivo, do latim “delibrare “: Resolver, decidir, após discussão. (negrito e sublinhado)

É isto que a Lei, civil e comercial, bem como os Estatutos que actualmente existem no Sporting Clube de Portugal, “convidam” os Sócios a fazer.

A reunir em Assembleia Geral, discutir as medidas que afectem a Instituição, e depois, e apenas depois, decidir em consciência a aprovação ou não dessa medida.

A Direcção do Sporting Clube de Portugal, no passado dia 8 de Abril, dirigiu por sua vez aos Sócios um “convite” à aprovação de um artigo 78º dos Estatutos, uma disposição com carácter “transitório” que prevê que uma (e apenas uma) Assembleia Geral subsequente possa ocorrer “…sem período destinado a debate, procedendo-se, apenas, a votação…”.

Com este “convite”, constatamos que, por razões que a razão desconhece (ou não), a actual Direcção do Sporting Clube de Portugal parece ser da opinião que a discussão e o debate destas medidas antes da tomada de decisões não favorece os interesses do Sporting Clube de Portugal.

Muita tinta tem corrido sobre este “convite” e sobre o seu carácter “transitório”, e o Leão de Verdade, como é seu timbre, pretende dizer de sua justiça sobre esta matéria, com rigor, honestidade, e com algo que parece faltar em absoluto a esta Direcção: ponderação ética das questões.

A disposição transitória é, como o seu próprio nome indica, uma disposição destinada a acautelar uma situação de mudança. Serve para assegurar a correcta e justa conciliação entre as normas antigas e as novas que surgem para tomar o seu lugar. Etimologicamente, implica uma “transição”, ir de algum sítio para um outro.

Exemplos de normas transitórias no universo estatutário do Sporting Clube de Portugal serão então artigos como este:

“Artigo 75º

Até à próxima assembleia geral eleitoral, os dez membros do Conselho Leonino acrescentados na alteração Estatutária aprovada na assembleia geral de Dezembro de 1996 serão designados por acto conjunto do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, do Presidente do Conselho Directivo e do Presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar. (Aprovado em Assembleia Geral Extraordinária de 5 de Dezembro de 1996)”

Esta é uma verdadeira disposição transitória. Serviu para garantir a regular passagem de uma realidade com menos Conselheiros para uma nova realidade, com mais. Como tal, criou-se esta disposição, que acautelou essa transição.

Como está bom de ver, esta disposição nada acautela em termos de transição, tratando-se antes duma verdadeira norma ad-hoc, avulsa, “enxertada” nos Estatutos com a finalidade única de legitimar uma determinada forma de votação numa determinada Assembleia Geral.

Em primeiro lugar, cumpre salientar que esta norma é no mínimo, de legalidade duvidosa. Com efeito, encontra-se compreendida no conceito legal de assembleia geral, tal como a Lei a enforma, a componente de “discussão” das matérias objecto de deliberação NO próprio acto da assembleia. Doutrina e jurisprudência de Portugal são unânimes em considerar que uma Assembleia Geral de Sócios que não faça preceder uma deliberação de discussão não será uma Assembleia Geral em sentido próprio.

Assim, esta norma avulsa vem criar uma forma de Assembleia Geral sem debate e sem a componente de participação e discussão que a define como tal, gerando um mecanismo híbrido de votação que propicia que, no limite, na data da votação, os Sportinguistas possam e devam exercer o seu voto sem saberem NADA sobre o que vão votar.

Em segundo lugar, a inserção duma norma deste calibre abre um perigoso precedente para a inserção de normas estatutárias “provisórias” que derroguem a TOTALIDADE dos Estatutos do Sporting Clube de Portugal. Aceitando-se um cenário em que se mudam os Estatutos para a conveniência duma determinada Assembleia Geral, o que impede, em termos lógicos, que os Estatutos possam vir a consagrar direitos de voto especiais para certos Sócios durante um prazo “transitório”? Ou que restrinjam direitos de certos Sócios durante determinado tempo?

A norma proposta pela actual Direcção faz lembrar mais uma norma de Estado de Sítio ou de Lei Marcial. Verificadas certas condições, in casu a incapacidade de fazer aprovar os VMOCs pelas vias normais, a Direcção pretende modificar drasticamente o figurino existente de Assembleia Geral, só para conseguir a aprovação desejada.

Isto não é democracia, isto não é seriedade. Em democracia, a solução para um Projecto de Lei chumbado não é alterar a Constituição para, pela ausência de discussão prévia, facilitar a sua aprovação.

Mas, esquecendo os elementos jurídicos que inquinam o proposto Artigo 78º dos Estatutos, existem ainda considerações de ordem vária que o LdV não pode deixar de questionar:

Oportunidade

No período compreendido entre os dias 1 de Maio e 15 de Junho de 2009, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral tem total discricionariedade para marcar eleições, bastando para tal que cumpra a antecedência necessária de 15 dias.

Por outro lado, o corpo do referido Artigo 78º dos Estatutos prevê que a Assembleia Geral para decisão da reestruturação financeira, a ser decidida pelo proposto modelo de assembleia referendária se possa realizar até dia 31 de Maio.

Assim, os Sportinguistas estão numa situação em que a Direcção cessante lhes pede que aprovem uma medida estatutária que se aplicará para eventual aprovação duma ordem de trabalhos definida por essa mesma Direcção cessante.

O único “problema” é que, de acordo com a calendarização prevista para as várias Assembleias Gerais, bem como para as eleições, essa assembleia poderá ocorrer já sob a égide de uma nova Direcção, caso em que teríamos o insólito de os Sócios irem votar uma medida sugerida por uma Direcção que já nem se encontra em funções, medida essa que pode até ser contrária ao que a Direcção efectivamente legítima à data da Assembleia queira.

Assim, a Direcção do Projecto parece achar oportuno definir o futuro numa altura em que poderá bem já ser passado.

Legitimidade

Considerando o que está escrito supra, é inegável que, a pouco mais que um mês e meio (no máximo) das eleições, a actual Direcção tem a sua legitimidade no mínimo, mitigada. Mais do que isso, a sua legitimidade acha-se mitigada em proporção inversa ao tempo que falta para as eleições e à importância da medida a tomar.

É do mais elementar bom senso e sentido de pluralidade democrática que alguém que está de saída não deve tomar, a partir de determinado momento, medidas que vinculem os seus sucessores, que podem (e devem) ter outra política, outra visão da realidade e outro caminho para servir os interesses do Clube.

No entanto, assim é o Projecto. Indiferente à possibilidade de sucessão e de existência de alternativas, assume a sua já costumeira postura despótica de “aprés moi, le déluge”: venha a assembleia referendária, venham os VMOCs, e, como diz o povo “quem vier atrás que feche a porta”.

Igualdade de Armas na Discussão Referendária

Como não é possível ao Projecto suprimir “tout court” qualquer discussão de medidas estruturantes para a vida do Clube, entendeu aquele “ofertar” aos Sócios, por troca com o desparecimento da discussão em Assembleia Geral, uma aparência de contraditório e de debate: o “período de discussão pública”.

Assim, durante um período de duas semanas, os Sócios, de Norte a Sul, serão “esclarecidos” sobre as virtudes e defeitos da complexa operação de harmónio destinada à reestruturação financeira do Sporting Clube de Portugal, e que terá, como efeito último, a emissão de novas acções representativas de capital social do Clube, i.e., venda de mais percentagem do Clube a subscritores privados.

Durante este período, o Projecto terá ao seu dispor para “esclarecer” os Sócios:

  • Um jornal próprio (o do Sporting);
  • Um website próprio (o do Sporting);
  • A atenção indivisa da comunicação social, por ser o Projecto, para todos os efeitos, a voz que vincula o Clube.

Quem discordar dos VMOC terá, por seu turno, ao dispor para esclarecer os seus Consócios:

  • O que conseguir arranjar.

Não está previsto debate contraditório ou confrontação directa das duas posições. Nenhum Sócio terá púlpito para pedir à Direcção resposta ao que o apoquente quanto aos VMOCs, e a Direcção em momento algum terá que responder a seja o que for directamente.

Mesmo esquecendo o facto de o Projecto ter ao “serviço” da medida que defende meios de comunicação que são de TODOS os Sportinguistas, mesmo dos que não concordam, resulta evidente:

  • A total desigualdade entre os meios ao dispôr de adeptos e detractores dos VMOCs;
  • O total desaparecimento da contraditoriedade e discussão que existe nas Assembleias Gerais.

Assim, o Projecto, no seu esforço para “devolver o Clube aos Sócios”, oferece como contrapartida para deixar de haver discussão em Assembleia Geral…deixar de haver discussão seja onde for.

Ampliação da Base Eleitoral

Age de má-fé quem louva o aumento do número de Sócios votantes como uma vitória da democracia, demitida de interesses ulteriores e vocacionada para a “devolução do Clube dos Sócios”.

A alteração preconizada tem como efeito prático o alargamento do período de voto e a diluição da chamada (e temida) “minoria de bloqueio”, que sucessivamente chumba a venda a retalho do Clube nas Assembleias Gerais ditas “normais”.

Ora, esta medida tem que ser vista pelo que é: um expediente, um “atalho”, uma forma de fazer entrar pela “porta do cavalo” o que os Sócios não têm deixado entrar pela porta da frente.

Se visasse o incremento da democraticidade e da participação na vida do Clube, não era transitória, e não era vocacionada só para uma votação específica. Assim, a alteração dos Estatutos é, retomando uma comparação feliz de um dos meus companheiros do Leão de Verdade, um “Simplex” aplicado ao Sporting Clube de Portugal.

O “problema” é que o desaparecimento do (único) momento verdadeiramente contraditório entre o Sócio e a Direcção em nome da aprovação mais fácil duma medida destinada a vender um Clube centenário “à peça” não é algo que se possa ou deva ser simplificado.

Para que possamos perceber para onde vamos, é importante que saibamos de onde vimos. A actual norma estatutária, a actual maioria exigida e a actual discussão prévia às votações não existem por capricho. Existem por se considerar que actos de grande impacto na vida do Clube, como a alienação de património deste, não serão suficientemente legítimos a menos que aprovados por dois terços dos votos, devendo ser devidamente discutidos em Assembleia Geral.

Daqui resulta uma dupla exigência: a da maioria de 66,6% dos votos e da discussão desta medida, antes da sua votação, em Assembleia Geral.

Tudo isto são garantias. Protegem o Clube de acções estouvadas ao sabor do momento e obrigam a reflexão e discussão. Protegem o Clube de tiranetes que pretendam decidir o futuro do Clube sem levarem em linha de conta o que os Sócios querem para ele. Mais do que isso, as normas estatutárias cometem aos Sócios o dever de protegerem o Clube dessas acções estouvadas, dessas tiranias, o dever de se reunirem em Assembleia e discutirem o que querem para o futuro do Clube.

Tudo isto quer o Projecto fazer desaparecer. Este é mais um passo para tornar o Sporting Clube de Portugal numa empresa pura: transformar a venda do seu património, a venda de participações sociais do Clube, em última análise, a venda do Clube em si, num mero acto de gestão, numa realidade trivial da vida do Clube, podendo como tal ser aprovada sem discussão prévia.

Por não considerar “coisa pouca” a venda do Sporting Clube de Portugal, por não considerar “coisa pouca” a celebração de democracia participativa que são (ou deveriam ser) as Assembleias Gerais do Sporting Clube de Portugal, o Leão de Verdade opõe-se ferozmente, mas sempre com a verdade, a esta “disposição transitória”.

Fica à consciência dos Sócios do Sporting Clube de Portugal que “convite” aceitar: o para uma festa onde serão livres de falar, discordar, e onde só lhes será pedida a sua decisão depois de ouvida a sua opinião, ou o para um funeral onde deverão carregar e sepultar, em silêncio absoluto, o caixão da sua participação na vida do Clube, aos pés e sob o olhar majestático do Projecto.

Nenhum Comentário

» Deixe o seu comentário agora

» RSS feed para comentários neste post
» TrackBack URI

Ainda sem comentários.


Deixe um Comentário

  1. XHTML: Pode usar estas expressões: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>